quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Jaded


Lavei os cabelos e no ralo, além da espuma e suor, desceram algumas lembranças. Olhei o espelho e não imaginei meu passado se penteando enquanto eu tomava banho. Meus objetos dentro do box estavam desacompanhados e não parecia vazia a prateleira.
Sai, peguei minha toalha de solteira, escovei os dentes e no copo, acompanhando minha escova, estava uma azul, nova,diferente da vermelha que já passava da hora de ser trocada.
Sentei na pia , como em milhões de outras vezes, mas dessa vez foi só enquanto secava os cabelos.
No meu quarto o amontoado de pequenos objetos colecionados em varias visitas já estava reduzido. Preservei algumas coisas que eram importantes por si só, mas o resto morava em uma gaveta, longe dos meus olhos. Antes a desculpa para estarem na gaveta era necessidade de que eu não as visse, não relembrasse de coisas que deveriam ser enterradas, coisas que cortam quando não são mais vividas, quando não são mais nossa. Agora abro a gaveta sem medo, nada saltará para arrebentar meu peito, não olho com desprezo, olho com respeito, mas foi embora todo desespero.
Hoje peguei umas gravuras, prometi colocar em um quadro, prometi ser logo, mas eram apenas gravuras, igual aos pesos de papel, as estrelas, os chaveiros...
Esta tudo blasé, inclusive eu, em relação a estação passada. Não me importa se foi inverno ou verão, só importa agora e agora é primavera.

domingo, 11 de outubro de 2009

Divã

Nunca me falou uma palavra sobre sua vida, nossa conversa se resumia ao que acontecia naquele momento. Sentávamos e, sem cerimônia, desenrolávamos os assuntos mais banais sobre aquele cotidiano.
Além daquele banco mal nos cumprimentávamos. Não havia na verdade nenhuma necessidade de “bom dia” ou algo parecido, estávamos bem com aquela distância. Tudo era incomum, era como nós queríamos ser.
Sabíamos coisas por olhares, mas não existia amizade, era como acontece com pessoas que convivem tanto tempo que descobrem no andar da outra se há tristeza ou não. Mas não era esse nosso caso, sabíamos das tristezas, mas não convivíamos, não aprendemos isso com o tempo ...era nosso, éramos de alguma forma presas de uma mesma corrente natural particular .
Dividíamos isqueiros e músicas, nunca os cigarros e os motivos e assim era nosso divã, esquecíamos os NOSSOS problemas dentro daquela conversa.

Flor

Escovou os dentes calmamente e silenciosamente, eu ainda dormia. Sentou na cama e disse que já ia, isso cortou meu coração.
Chegou às 11 da noite, disse que não me deixaria triste e sozinha, conversamos bobagens e bebemos a noite toda. Eu olhava deslumbrada toda a verdade que tinha em seus olhos. Era verdade mesmo, nada aquém disso.
Falou sobre o dia de trabalho, sobre as brigas em casa, sobre a vontade de me ver. Eu não merecia , não mesmo.
Às vezes eu pensava longe dali, pensava em outra coisa e era descoberta por uma mão no queixo e uma pergunta doce - Pensando em que, flor?
Eu dizia que "em nada", não seria justo dizer a verdade.
Lutávamos contra um sono traiçoeiro, sono que não permitia o final das palavras e fumávamos, fumamos as magoas, as incerteza, as curiosidades. Tentei fumar minha saudade, quis que ela se fosse com as cinzas, mas vinha como a fumaça, percorria o meu corpo por dentro e ficava em suspensão pela sala.
Dormiu durante um silêncio meu. Observei sua calma e quis que todos os seus sonhos se tornassem realidade, mas não pude, não podia, já tinha entregado a outro anjo minha felicidade.