terça-feira, 28 de setembro de 2010

Fatum



Apareci na pontinha da porta, perguntei se queria chá, a resposta foi negativa e eu não insisti.
Meus pés sentem frio mesmo com meia.
Passei o dia todo querendo roubar alguns trechos de músicas, falar que são meus, pegar descaradamente e dizer por ai que fui eu quem escreveu. Passei o dia todo querendo sair de casa, passei o dia todo querendo não pensar em mudar a cor da parede.
Ainda faço café.
Ainda acordo tarde.


Qualquer tempo é uma eternidade.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Renda


Gostaria de conhecer uma rendeira, dessas bem velhas, com um monte de palavras. Uma que me contasse coisas fantásticas, misticismos, e histórias de uma vida boa. Sentaria bem perto da renda, esqueceria as minhas bobagens, e a ouviria.
Se eu pudesse ser a rendeira e fabricar com pano e linha uma vida inteira sem querer saber nada além dos netos. Desenhar ponto por ponto um traçado inteiro, sem pressa, sem desespero, sem desistir. Mas não sou rendeira, nem conheço uma que me conte histórias.

Camaleoa



Busquei dentro de alguma caixa um papel amarelado,mas não, só tinha folhas novas, um punhado de papeis vazios.
A saudade não acaba, ela fica ali, anestesiada por alegriazinhas diárias, mas é ela que acompanha a noite.
Quando aquele passo chegar nessa cidade, as milhares de vidas sumirão, minha espera buscará uma serenata, um papel na porta, um súbito aparecimento, meu peito se abrirá para as eternas alegrias novamente.
Quando existe distância a saudade até se permite ser minguante, mas quando é possível findá-la, quando está ao toque da mão o fim da dor, a saudade é cheia, sem espaço para ponderações e se tudo é sonho, pra que dormir?
Meus braços ainda estão na mesma janela, meu corpo disponível para um rapto.

Muito sol


Muito sol?
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Saudade !
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Não chovia , mas parecia que sim, alem da falta, o que une todas as despedidas é a chuva. Sempre chove, chove por dentro, chora por fora ...
Fica a rede, os móveis, os bilhetes ...
Eu nunca acreditei na verdade, no que falam , no que querem ...
Aquilo era o certo: um balé de olhares, frases, fuga e som...
O que é bastar? O que é ficar ? o que não acontece de novo?...
Mas tudo isso é dúvida: quem sabe ? quem dirá que não?... Não?
E durante aquelas estações as vistas na estrada é casa .

Ciranda



A menina da roda e flauta, de saia azul listrada, entra na sala como se fosse no céu. Todo o vento que passa não é a moça. A moça fica, acalma, aquieta, me encosta na cadeira.
A flauta da roda é só paisagem, só existe a menina de saia azul listrada.
Toda beleza é apenas uma renda.

Girassol



Não aprendi a me despedir, pode ser um problema, pode ser bom...bom, eu não sei, a verdade é que não sei me despedir. Uma parte de mim sabe que eu deveria sentir só saudade,mas não é isso que sinto, aqui dentro é como se nada tivesse acontecido.
Quando eu estou longe me dou conta das coisas, mas de perto, quando estou dentro do que por tanto tempo foi “a minha vida toda” , eu esqueço, acredito que passei uns dois dias fora de casa, longe dos livros, dos cheiros, mas que voltei e que tudo é meu: a cama, o banco da frente, os enfeites...
Cai do céu quando ouvi :
- é...mas não é mais assim.
Foi “assim” que me mandaram acordar. Foi duro, foi ruim, deixou um gosto amargo naquela hora e por mais algumas ,mas hoje voltei pra um monte de lembranças que ainda guardo e me dei conta de que quando ninguém está olhando ainda é tudo igual aqui dentro e é tudo verdade na minha brincadeira de boneca.

Ilusão


Quarto dia, é o quarto dia que não saio de casa, é o quarto dia que não atendo telefone e não sei de nada que acontece lá fora. Meus pés já não sabem andar e não tenho nada mais que um punhado de comida em casa.
A campainha toca e desiste, desiste por saber que não quero atender ou por não se importar muito com a minha vida, talvez sejam só contas.
Até agora ninguém gritou,mas eu mesma me esforcei para não acender as luzes e não emitir muitos ruídos, me esforcei para não estar aqui para ninguém.
O tempo não passa muito rápido por aqui, as nuvens são minha única diversão e fora as gotas de chuva, nada mais entrou.
Se saber a verdade dói o tanto que estou sentindo, então prefiro aqui, longe de noticias, longe de mudanças, só com a previsível e mansa chuva.

.. .


Morri, foi como um cometa, fechei os olhos e não existi mais. Minha geladeira vazia está aqui, meu copo cheio de cigarros, minha caligrafia...
Cansei de prédios, de azares, de remorso. Minha língua vazia, grudada no céu da boca, áspera, silenciosa, seca...nunca mais terei que calcular suas palavras.
Morri para qualquer mudança, qualquer tempo, morri de um jeito que me fez nunca existir.
Já me despi deste corpo amarrotado, que eu vivia empurrando por ai, fuzilei cada olhar para que ele não enxergasse mais nada, quebrei seu braços e pernas, surrei até que ele esquecesse qualquer passagem minha e fui.
Amanhã já não sou mais eu, este corpo já não precisa de cordialidades.

Sem prumo




No carro, os três, os três amigos com seus problemas pessoais. Comentávamos sobre o prédio em nossa frente, falávamos das varias histórias que poderiam existir em cada janela, dos destinos traçados, das mudanças possíveis, dos sonhos, de problemas maiores que os nossos. Era a velha e cansada conversa inevitável sobre os bilhões de habitantes que nunca conheceremos.
Era uma tarde blasé, um fim de tarde de costas para o por do sol, os pés cheios de areia, mas sem nenhuma gota de mar, ouvindo Otto e sem vontade de repetir as mesmas ladainhas tão sabidas por nós e entrelaçadas em nossas vidas.
A noite chegava, os três com suas obrigações noturnas, os três em momentos diferentes, em climas diferentes e com conselhos iguais. Falávamos do prédio para esquecermos nossas vidas, mas em determinado ponto da conversa percebemos que o prédio estava em construção, ninguém morava lá. Pareceu engraçado, mas quantas vezes nossos colóquios não foram, apenas , vãos?

Carro de bois




Fiquei só , hoje foi meu dia de arrumar os papeis, ouvir Janis Joplin, jogar fora um monte de embalagens vazias e reencontrar uma pá de recordações. Meus amigos hoje tiveram que se contentar com a secretaria eletrônica, e o celular eu nem liguei.
Fui e voltei varias vezes por aquele caminho entre os sofás, a casa parecia apertada, mas é assim que eu quero, tudo meu bem juntinho, tudo que eu gosto bem aqui, preso e conservado em minha caixa.
Amanhã eu não sei, amanhã eu posso ser da rua, das salas de sinuca, dos shows, dos amigos de uma noite e dos velhos amigos. Hoje não, hoje eu quero minha solidão, meu desespero, minha vontade de sentar, meus cotovelos na mesa.
Hoje eu quero tudo meu familiar, velhas lembranças, como da primeira vez que vi um carro de bois.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

A aniquiladora de interrogações .



Em certos momentos, não sei se as dúvidas realmente existem. Às vezes, pergunto o que já sei e depois me pergunto se realmente preciso dessas interrogações...

Disso eu não sei, não quero saber.
... ... ...

Mas... agora me veio uma dúvida: como seria a vida sem as interrogações? Chateio-me com algumas perguntas, mas como seria a vida, como seria A minha vida sem as dúvidas? A saudade pode ser substituída pela falta; e as interrogações? quem as substituiria? Sobrariam as vírgulas, as exclamações, os pontos... e ponto! Ponto final, a vida seria ba-ba-qui-ce, repleta de surpresas indesejáveis e fins de conversas por falta de... dúvidas.

E aquela curva da interrogação? Ela quer ser perguntada. Ela não é a reta da exclamação. Ela é um fim de ‘’s’’ dos quadris. È uma concha receptiva, uma boca aberta:

– Vá, me use!

É... é assim que a dúvida nos seduz. O curioso acima de tudo é um seduzido.

A atraente interrogação é quem guia a humanidade, a humanidade tarada..., desejosa...,
que tem direito a tudo, menos de duvidar da dúvida.

Ave!


ana não conhecia o céu, ana via o céu, mas nunca foi pássaro.
Um dia desses, desprovido de razão, o dia sentiu e foi mais que dia, mais horas, mais que espera. ana voou e ana gastou todo seu vôo em um só dia , ana gastou o que era seu do céu em um só dia. Amanhã ana não viu mais o céu, ana não foi ao céu, uma garra de Mar cortou as asas de ana, o céu era do Mar e não de ana. ana olhava as estrelas e o sol e a lua, sentia o brilho, o calor e o reflexo, mas não eram de ana. ana então caiu e sentiu por ter sido só um devaneio do dia, mas ana agradeceu a todo aquele dia e por não ser Mar e por ter sentido o céu como uma ave voando a seu lado.

Anjos vermelhos


As pitangas, em minha memória, são anjos de vestido vermelho rodando em uma ciranda. Penso nas pitangas brincando entre os verdes de um pomar, se escondem em lugares impossíveis de se achar e ficam lá , inacreditavelmente, camufladas com vestidos vermelhos em um cenário verde .

infusão


Da vez que eu te abandonei a primeira vez eu corri três esquinas. Arrependi-me por não ter dito que estava saindo para uma coisa mais rápida e ter te causado um desespero.
Da segunda vez eu esqueci meu corpo e fui embora,bati a porta com força e fui.Descrevi minha angustia na mesa empoeirada e foi só. Fiquei uma semana fora de mim. Voltei da guerra e você ainda não havia se desesperado, ficou falando da multa que pagaríamos na locadora.
Cai no sofá como uma pedra, coloquei os pés sobre uma cadeira, quis gritar com a sua inércia, mas tive medo de assustar meu corpo que tinha ficado por lá e não sabia muito sobre minha raiva.
Da terceira vez eu não sai da casa, resolvi me perder por lá, esquecer-me por lá, procurei passagem secreta para me esconder, um alçapão, mas não tínhamos nada disso, de qualquer forma eu não queria sair de casa, queria tentar provocar seu desespero por ali, andar pelas ruas não estava surtindo efeito. Deitei, fui para debaixo do cobertor mais grosso que tínhamos, procurei o lugar mais escondido na cama e você disse dois versos da Espanca e me ofereceu um chá.

Verão 2010


Hoje catei cada agulha, cada botão e linha. Terminei enterrando tudo no fundo de casa.
Coloquei cadeado, amarrei com correntes e cavei até encontrar as pedras. Tudo foi pra lá, cada fio da seda que já tinha se tornado um novelo empoeirado.
Eu ainda brincava com este novelo como um gato de rua, ainda batia esperando que ela voltasse em minha direção,mas cansei.
Tive pena de mim ao perceber que descendo as escadas, muitas vezes, eu entesourava meus passos tentando formar um modelo ideal, desenhava imaginando que tendíamos para uma mesma direção, mas a estação acabou.
Lá, junto com minha tentativa frustrada de estilo, enterrei os cartões, os livros , as músicas e o que me prendia a tudo isso.abandonei cada sentido, amarrei meus arrependimentos, meus pesares e ponderações. No fim das contas o que mais pesou no baú foram as traças.
Não foi triste jogar a última pá de terra, triste mesmo foi ver que enterrei somente papeis amarelados.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Ritornelo


...se vivesse comungando com a rua, o pedaço de endereço em que você habita; Se eu colocasse todas as minhas bandeiras ao sabor do teu vento; Se esquecesse meu rastro, minha assinatura, meu cordão... eu rodaria numa ciranda-zepelim e voltaria sem destino, abraçada numa asa que quebraria na altura exata para me salvar da morte, mas não do julgamento e da vontade.